A violência contra a mulher no Brasil é um problema muito sério. Segundo dados do Conselho Regional de Justiça, há um montante de 896 mil processos relativos a casos de violência contra a mulher a serem julgados. Além disso, o Mapa da Violência 2018 registra outros dados preocupantes. A cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal; são 180 estupros por dia no país; em 2019, foram registrados 3.739 casos de feminicídio e 60% dos casos de violência são contra mulheres negras.
Estes dados confirmam a presença massiva da violência contra as mulheres nos lares brasileiros e evidencia a morosidade da justiça, em dar resposta a essa situação. Na quinta-feira (7), a Live Sindical da Assufsm “Violência contra a Mulher: desafios e enfrentamento” (ver a live completa) abordou o assunto com a participação da bióloga, Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT e Secretária de Gênero, Raça, Minorias e Aposentados (as) do Sindiágua, Ana Lúcia Pereira e da professora Doutora em História Contemporânea da UFSM, Nikelen Acosta Witter.
Segundo a pesquisadora Nikelen Witter, este tipo de violência é histórico e durante muito tempo, a legislação brasileira foi permissiva quanto a isso. “Até 1967 a mulher casada não era vista como uma cidadã plenamente ativa na sociedade, sendo considerada menor de idade. Então estamos falando sobre uma situação que ainda é muito recente e que envolve um esforço em quebrar modelos culturais que objetivam a permanência do patriarcado”, explica a professora.
A cultura da violência ainda muito forte no país, deu espaço para o surgimento do movimento feminista e de mulheres que luta pela garantia dos direitos da mulher e pela igualdade de gênero. A Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Ana Lúcia Pereira considera importante os avanços conquistados por estes movimentos, mas reforça que muito ainda precisa ser feito, principalmente no que tange às mulheres negras.
“Na direção da CUT, por exemplo, somos duas mulheres negras. O número é muito pequeno ainda, mas é necessário que outras mulheres negras vejam possibilidade nesses espaços. Na história do nosso país, mulheres e homens negros sempre foram produtores. Estar na frente da pasta de mulheres é muito bom, mas traz também um peso gigante nas costas. A todo o momento somos olhadas e avaliadas. Na maior parte das vezes nos lugares de fala não somos reconhecidas. Mas é importante sermos essa referência a outras mulheres negras e permanecermos combativas”, comenta Ana Lúcia.
Atualmente, em tempos de crise sanitária e isolamento social, devido ao COVID-19 os registros de violência contra a mulher aumentaram 18% no Brasil. Ana Lúcia atribui esse aumento a obrigação da vítima estar isolada com seu agressor e lamenta o desmonte do Estado no que diz respeito a investimento em rede de apoio.
“O Rio Grande do Sul, atualmente é o 3º estado brasileiro que acomete feminicídio. Uma das causas disso é o desmonte, desde 2014, nos investimentos para redes de proteção a mulher. Antigamente, eram destinados cerca de 10 milhões de reais para essa secretaria e redes, atualmente o valor reduziu para 180 mil”, explica. “Com o COVID, tenho conhecimento de casas que tem de 7 a 8 pessoas, e o agressor está lá dentro. No isolamento a vítima se torna obrigada a estar em contato diário com este agressor”, lamenta Ana Lúcia.
Nesse sentido, as redes de apoio e os vínculos familiares são muito importantes. Segundo Nikelen Witter, uma das principais características para identificar um relacionamento que pode vir a se tornar abusivo é observar a questão de manutenção de laços. “Cortar os laços afetivos da mulher é um importante passo para reconhecer o agressor. Um possível agressor irá tentar isolar a mulher da família e dos amigos como forma de garantir que ela não ative um grupo de suporte e amparo contra a violência”, explica. “Por isso, por mais que estejamos distantes, não percam os contatos. A solidão com o agressor é a pior situação para se viver nesses tempos de pandemia”, finaliza a professora.
Disque Covid Acolhe Mulheres UFSM
Dentre os canais de atendimento e suporte a essas vítimas, Nikelen Witter destaca o Disque Covid Acolhe Mulheres UFSM. A iniciativa aconteceu no interior do Projeto de Extensão Fórum de Enfrentamento à Violência Contra Mulheres de Santa Maria e ganhou força com o Observatório de Direitos Humanos da UFSM. “É importante procurar a ajuda. Este canal surgiu para garantir que as mulheres possam ter um amparo e buscar ajuda de pessoas especializadas para dar esse suporte”, comenta a professora de História.
Por meio de linhas telefônicas da UFSM, as ligações serão atendidas por profissionais voluntárias (todas mulheres) e por duas professoras assistentes sociais, também da UFSM (do Colégio Politécnico e do Departamento de Serviço Social). Psicólogas, enfermeiras, advogadas e assistentes sociais, também residentes da Residência Multiprofissional Integrada em Saúde, farão a escuta, o acolhimento e darão orientações para as mulheres. O serviço atende o município de Santa Maria, tem caráter emergencial e funcionará durante o período de isolamento por Covid-19, inicialmente nos meses de maio a junho de 2020.
O atendimento funciona todos os dias da semana, das 8h às 12h e das 18h às 22h. Os turnos foram organizados em função da demanda de ocorrências de violência contra as mulheres ser maior no período noturno. Os telefones para o atendimento são (55) 3220-8440 e (55) 99974-1090.