Três músicas romperam o silêncio do auditório Flávio Miguel Schneider na noite da última quinta-feira, 30 de junho. Situado junto ao prédio 42, o espaço fica localizado no campus sede da UFSM e sediou a palestra “Que democracia?”, proferida pelo professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Adriano Correia. Por lá se encontraram, ainda que em meio a um frio que atingiu a marca dos 9 graus, dezenas de docentes, técnico-administrativos em educação e estudantes interessados em refletir de forma mais cuidadosa acerca do termo ‘democracia’.
Não uma reflexão abstrata e reservada aos círculos acadêmicos, mas sim uma articulação entre conceito e realidade, que dê conta de colocar os acúmulos teóricos em movimento, utilizando-os como espécies de bússolas para a formulação de ações e políticas concretas. Em um contexto de graves ameaças à autonomia e à democracia das universidades públicas, o debate sobre democracia e sobre a necessidade de defendê-la agiganta-se ainda mais.
O proponente da atividade foi o Grupo Práxis, coletivo nacional que reúne docentes, estudantes e técnico-administrativos em educação de diversas universidades, responsáveis por promover discussões sobre temas relacionados à democracia, autonomia e educação. A Sedufsm recentemente passou a integrar o Práxis.
O responsável pela apresentação musical da noite foi o professor do departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da UFSM, Renato Souza, que, intercalando as músicas com comentários sobre a censura reservada às e aos artistas especialmente durante a ditadura militar brasileira, apresentou três canções significativas da luta por liberdade de expressão, por democracia e por uma sociedade mais justa: Rosa dos Ventos, de Chico Buarque; Viola Enluarada, de Marcos Valle; e Semeadura, de Vitor Ramil.
Após a apresentação, representantes das entidades representativas que trouxeram Correia para palestrar em Santa Maria realizaram saudações – dentre essas, a Sedufsm; a Atens e o Sinasefe.
Democracia contra a tirania
De início, Correia resgatou brevemente o princípio do termo ‘democracia’, cuja origem está na sociedade grega antiga. Posteriormente, tal conceito é retomado pelos liberais, especialmente para tratar de assuntos relacionados à política. Na tradição liberal republicana, passou a vigorar a concepção de uma democracia sempre representativa, mas que não para em pé sem alguma participação popular.
Contudo, a ideia de democracia como sendo uma participação episódica e não orgânica da sociedade em processos decisórios é, para Correia, insuficiente.
“Temos um modelo de política que envolve participação política e um modelo de política que aposta num aparato jurídico e administrativo que assegure que os indivíduos possam conduzir suas vidas privadas, mais ou menos protegidos, sem se envolverem com nada a não ser, periodicamente, assegurar que as coisas continuem funcionando”, explica o palestrante, criticando uma política meramente institucional, parlamentar, representativa, em que uma gigantesca parcela da população jamais se envolve com nada. No Brasil, por exemplo, destaca o docente, é possível se abster da participação política sem maiores consequências.
E esse distanciamento da política participativa acirra-se ainda mais no ambiente digital. Ainda que há alguns anos as pessoas visualizassem a internet e as redes sociais como as novas ágoras (fazendo referências às praças públicas nas quais os temas políticos eram discutidos na Grécia Antiga), hoje já podem ser percebidos alguns ônus referentes, principalmente, ao enfraquecimento da participação coletiva. É o que pondera Correia:
“A gente forma opinião em conjunto, mesmo que tenhamos ponto de partidas diferentes. E essa convicção de que a opinião que se forma no espaço comum é melhor do que a opinião que se forma sozinho em casa é o que vem sendo solapado quando temos algo como redes sociais e algoritmos. É a solidão organizada, que cria tecido sem criar mediação discursiva. Que forma comunidades sem formar interesse comum, a não ser os odiados em comum”, diz o palestrante, lembrando o que Hanna Arendt dizia, ao se referir ao nazismo e a regimes totalitários, sobre o uso do ódio como ferramenta de mobilização.
Correia, que também ministrou, na UFSM, nos dias 30 de junho e 1º de julho, o curso intitulado “Hannah Arendt e a banalidade do mal e suas implicações para a educação”, leu alguns trechos da obra “As origens do totalitarismo” (1951), promovendo aproximações do escrito com a realidade atual brasileira.
O professor da UFG acredita que, para resgatar a potência realmente democrática, é preciso, antes de mais nada, “reconstruir a base de uma disputa que não seja fratricida e aniquiladora. Essa é a grande questão do momento”.
Ao fim, Ascísio Pereira, presidente da Sedufsm e responsável pela mediação do evento da quinta à noite, destacou a importância de debates como o ministrado por Correia serem realizados no ambiente universitário. “Não vamos parar depois de outubro, nem nas redes, nem na realidade social. Somos educadores e educadoras todos os dias do ano, e trazer essa discussão é fundamental para o papel da universidade”, disse.
A palestra teve transmissão ao vivo pelo canal de Youtube “PaideiaTV: Formação Integral Humana”, do professor Dejalma Cremonese (departamento de Ciências Sociais da UFSM). Quem perdeu, pode assistir o evento neste link.
Texto e Foto: SEDUFSM