A crescente pressão dos servidores públicos por reajuste de salário pode inviabilizar a tramitação de uma reforma administrativa no primeiro ano de mandato do próximo presidente da República. O compromisso com uma reforma está citado, em alguns casos indiretamente, nos programas de governo e mencionado nas declarações feitas pelos quatro candidatos mais bem posicionados nas pesquisas. Mas a avaliação de um técnico da área econômica é de que o aumento salarial deverá tomar conta do debate ano que vem e não haverá espaço político para fazer avançar, ao mesmo tempo, uma reforma administrativa.
O governo Bolsonaro prometeu um aumento linear dos salários de 5% em 2023. Para atender a essa finalidade, a equipe econômica deve encaminhar até o fim do mês ao Congresso Nacional uma proposta de Orçamento com uma reserva estimada de recursos de um pouco mais de R$ 10 bilhões. Existe pressão, no entanto, por uma elevação mais forte dos salários para compensar o congelamento – que em algumas carreiras acontece desde 2017. O Poder Judiciário, por exemplo, tem a expectativa de uma alta de 18%.
Para técnicos de governo e economistas, a pressão por gastos deteriora a situação fiscal e coloca em risco o teto de gastos. A reforma administrativa seria importante para sinalizar sustentabilidade dessa despesa no longo prazo, assim como do teto de gastos, se este for mantido pelo próximo presidente.
Em julho a menor remuneração no serviço público correspondia a R$ 1.765,61 e a maior a R$ 30.936,91
Nos últimos anos, a necessidade de uma reforma administrativa ganhou força devido ao fato de os gastos com pessoal serem a segunda maior despesa do governo federal, perdendo apenas para o pagamento de aposentadorias e pensões. Nos programas de governo dos quatro candidatos à Presidência – Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) – existe a previsão de reforma, mas os textos não apresentam muitos detalhes.
Já as declarações dos políticos vão na linha de redução das discrepâncias salariais entre os próprios servidores públicos e também em relação à iniciativa privada, e regras de avaliação de desempenho. De acordo com o Painel Estatístico do Servidor, divulgado pelo Ministério da Economia, em julho a menor remuneração no serviço público correspondia a R$ 1.765,61 e a maior R$ 30.936,91.
No início do mês, em apresentação a empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Lula disse que, se for novamente eleito, irá promover as reformas administrativa e tributária logo no início do mandato. Para ele, uma reforma administrativa é necessária porque há pouca gente no Estado ganhando muito e muitos ganhando pouco. Sem dar detalhes do projeto, falou na necessidade de amoldar a burocracia estatal à modernidade. Ele ainda reforçou que o país não precisa da norma de teto de gastos.
A lei do teto, de acordo com o ex-presidente Lula, é uma necessidade apenas para governantes irresponsáveis. O programa de governo só “reafirma respeito e compromisso com as instituições federais e com a retomada das políticas de valorização dos servidores públicos”.
Já o programa de governo de Bolsonaro prevê “o aperfeiçoamento dos seus planos de cargos e salários”. “Com a manutenção da responsabilidade fiscal, com o aumento da efetividade nos gastos públicos e com as reformas estruturantes, em especial a administrativa, o plano de governo priorizou continuar valorizando o servidor, com o objetivo de gerar maior comprometimento e envolvimento do mesmo com as instituições e com a melhoria dos resultados, de forma a também aumentar a eficiência na prestação dos serviços pelo Estado, de forma humanizada”, informa a proposta de governo. “A redução de gastos decorrentes da pandemia, o aumento da produtividade e a maior oferta de serviços digitais para a população favorecerão a implementação de reposições salariais aos servidores”, destaca o documento.
Em 2020, o presidente chegou a enviar ao Congresso Nacional uma proposta de reforma, mas ela acabou não andando por falta de apoio. Na época, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia que a economia com a aprovação da reforma poderia chegar a R$ 300 bilhões em dez anos.
No caso de Ciro, a equipe do candidato informou que a proposta é “achatar” o intervalo entre os salários de entrada e de saída no poder público, mediante redução do salário de entrada. Além disso, querem ampliar recrutamento interno para cargos em comissão. Não está nos planos mexer na estabilidade, mas sim definir metas de desempenho. Também pretendem criar um comitê independente, com participação do setor privado, para definir a remuneração ideal de servidores públicos.
No programa de governo, não há uma menção específica à reforma administrativa. “Serão obrigatórios os processos seletivos baseados em competências para ocupação dos cargos e funções de liderança até o nível equivalente ao de diretor”, pontua o programa.
Já o conjunto de propostas de Simone Tebet defende promover uma reforma administrativa que torne o Estado mais eficiente, ágil, produtivo e amigável para o cidadão, com objetivo de ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos. Coordenadora dos planos econômicos da candidata, Elena Landau disse ao Valor em abril que tentar votar uma PEC “só complica”. Segunda ela, a demissão de servidores públicos por irregularidades ou mau desempenho, por exemplo, já existe na Constituição e o melhor é gastar energia para regulamentá-la por lei.
O professor da Ebape-FGV e presidente do Conselho de Administração do República.org., Francisco Gaetani, diz que a reforma administrativa é um processo permanente e vai além da questão fiscal. Segundo ele, o país precisa discutir várias reformas em conjunto, como a orçamentária, para debater questões como o orçamento secreto. Ele concorda que muitas mudanças poderiam ser feitas sem a necessidade de aprovação de PEC, citando o projeto de combate aos supersalários no funcionalismo, que aguarda votação no Senado. Gaetani defende um processo de profissionalização dos ministérios, o que passa por concurso público. “É preciso fazer uma discussão sobre a qualidade do gasto público”, afirma.
Texto: Valor Econômico e Wagner Advogados Associados
Foto: FASUBRA