Até a última sexta-feira, 74 instituições haviam confirmado presença na cerimônia de reabertura da Mesa Nacional de Negociação Permanente do governo federal com entidades representativas dos servidores públicos do Poder Executivo, que ocorrerá na terça-feira, em Brasília. O evento está sendo considerado um marco para os trabalhadores públicos federais. A expectativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos é de que esse número fique em torno de 100.
O evento será realizado no auditório do Bloco K da Esplanada dos Ministérios e contará, a princípio, com a presença de seis ministros: Esther Dweck (Gestão e Inovação), Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Camilo Santana (Educação), Nísia Trindade (Saúde) e Luiz Marinho (Trabalho e Emprego). Contudo, o espaço fiscal para o reajuste salarial no Orçamento deste ano é bem restrito: R$ 11,7 bilhões, que representam uma correção linear em torno de 5% aos servidores, percentual bem abaixo das perdas acumuladas pelas categorias desde o último reajuste, que, para agrande maioria dos servidores, ocorreu em 2017.
A mesa foi criada em 2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e fechada em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), ano do último acordo de reajuste para a maior parte das categorias do funcionalismo. As entidades trabalhistas comemoram essa retomada do diálogo e estão montando a pauta de reivindicações. A maioria das categorias está sem reajuste salarial desde janeiro de 2017, ao contrário dos militares. Uma parte dos servidores conseguiu correções até 2019, graças a ações movidas na Justiça para obrigar o pagamento do último acordo, firmado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
No governo de Jair Bolsonaro (PT), apenas militares e policiais tiveram reajustes salariais e os militares ganharam privilégios, como o teto duplex — que permitiu a inúmeros aposentados da caserna, ao serem nomeados para cargos no Executivo, acumularem dois salários sem qualquer desconto, como ocorre com os demais servidores no chamado abate-teto, quando o limite salarial do funcionalismo, de R$ 39,2 mil atualmente, é atingido. Com isso, a remuneração dos militares empregados na máquina administrativa poderia dobrar e chegar até a R$ 78,4 mil mensais. Não à toa, uma das principais reivindicações será a revogação da portaria que criou o teto duplex, de acordo com o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
Divisor de águas
A retomada da mesa de negociação é um “divisor de águas” nas relações entre o Poder Executivo e os sindicatos e entidades representativas dos servidores federais, na avaliação de Marques. “É uma verdadeira mudança das relações do governo com as entidades de classe, porque o governo anterior foi o único, nos últimos 20 anos, que não concedeu um real de reajuste, e ainda elevou as alíquotas de contribuição da Previdência. Os trabalhadores tiveram perdas salariais, sem contar o aumento do assédio aos servidores”, alertou o sindicalista, em entrevista ao Correio.
De acordo com Rudinei, foram registrados 1.400 casos de assédio no serviço público na gestão de Bolsonaro e, para piorar, uma nova categoria foi criada: o assédio institucional. “Não eram apenas casos de assédio moral. Lançamos até um livro de 800 páginas discorrendo sobre os casos de assédio institucional contra servidores de todas as categorias. Mas havia uma perseguição maior àqueles que trabalhavam nas áreas de meio ambiente e de defesa dos povos originários”, afirmou.
Segundo Marques, os servidores sabem que não conseguirão reajustes da ordem de 40% — que, nos cálculos do Fonacate, é a defasagem acumulada desde janeiro de 2017 para 80% do funcionalismo. “A inflação acumulada nesse período é de pouco mais de 40%. Temos consciência de que é impossível repor essas perdas neste momento. Mas vamos pedir que o governo conceda um aumento emergencial, acima de 6%, e um prazo menor de escalonamento das correções”, destacou Marques, em referência aos reajustes ao Judiciário, concedido a partir deste ano, passando para 6%, em fevereiro de 2024 e 6,13%, a partir de 2025, totalizando os 18%. Ele lembrou que, para os servidores que tiveram a última parcela de reajuste em janeiro de 2019, a defasagem salarial é de 27%.
“Esperamos que seja sinalizado que o governo pretende resolver esse problema, enviando ao Congresso Nacional, uma medida provisória usando o valor já disponível no Orçamento, e algo mais que desse para melhorar a correção”, acrescentou Marques. O presidente do Fonacate destacou que o funcionalismo do Executivo ganha muito menos do que o do Legislativo e do Judiciário, que já conseguiram seus respectivos reajustes, embora escalonados. “O servidor ganha muito menos do que os demais, que costumam receber o teto, de quase R$ 40 mil e já foram contemplados com correções. O salário médio do Executivo federal é de R$ 9,2 mil e, até agora, não teve nenhum reajuste. Por isso, é importante começarmos a debater na mesa de negociação uma reposição emergencial”, defendeu.
“Essa questão é mais sensível, já que existe um recurso que já está reservado no Orçamento. É preciso negociar os percentuais. Na reunião preparatória para a mesa, houve consenso de que os 6% concedidos neste ano para o Legislativo e o Judiciário são insuficientes. O governo precisará melhorar um pouco, do ponto de vista simbólico”, emendou.
Reforma administrativa
Outra reivindicação dos sindicatos, segundo Marques, será a participação das entidades de classe nos debates para a construção de uma reforma administrativa mais justa, diferente da proposta pelo governo Bolsonaro, a PEC 32. “Essa proposta foi feita por quem não entendia do assunto. Queremos ajudar a propor uma reforma melhor, que considere a avaliação do desempenho dos servidores, mas que proteja o trabalhador sem deixar de garantir as entregas para a sociedade”, frisou.
O interlocutor do governo com as centrais sindicais no Ministério da Gestão e Inovação será o economista Sérgio Mendonça, secretário de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho da pasta, que já executou função semelhante no antigo ministério do Planejamento. Nas redes sociais, ele gravou um vídeo convidando as entidades para participarem da abertura da mesa.
Resta saber como o governo conseguirá conciliar o compromisso de responsabilidade fiscal, que não está muito claro nos discursos de Lula, com as demandas dos servidores, que não devem caber no Orçamento deste ano. A saída, segundo fontes, seria o escalonamento do reajuste como ocorreu no Judiciário e no Legislativo. Mas Rudinei Marques já sinalizou que as categorias querem prazos mais curtos, de dois anos, nesse parcelamento, abrindo uma nova negociação em 2025.
Texto: Wagner Advogados Associados e Correio Braziliense
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