Descriminalização do aborto

Na madrugada do dia 22 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da ação que tenta descriminalizar o aborto feito com até 12 semanas de gestação. Porém, mais uma vez o direito sobre os corpos femininos sucumbe ao poder masculino. Apenas a ministra Rosa Weber, relatora da ação, conseguiu votar em plenário virtual. A votação foi suspensa por um pedido ministro Luís Roberto Barroso e a análise será feita de forma presencial, mas ainda não tem data marcada.

Hoje, o aborto só é permitido em casos de gravidez decorrente de estupro; quando o feto é anencefálico, ou seja, não terá condições sobreviver fora do útero; e se há risco de vida para a gestante, considerando o procedimento apenas até a 12ª semana de gestação, que por motivos burocráticos da lei, muitas vezes as mulheres só acessam esse direito após o prazo legal, ficando, dessa forma, mais vulneráveis e sujeitas às penalidades que incorrem sobre o crime de aborto descrito no Código Penal de 1940, época em que as mulheres ainda eram vistas como propriedades dos seus cônjuges.

Esta ação de descriminalização foi apresentada em 2017, pois a norma em vigor viola os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não descriminalização; e os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à liberdade e à igualdade. Além disso, a ação solicita que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito constitucional das mulheres de interromper a gestação e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento.

A ministra Rosa Weber completa 75 anos no 02 de outubro, e mesmo diante da sua aposentadoria compulsória seu voto a favor da descriminalização está garantido.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber se pronunciou:

“A maternidade é escolha, não obrigação coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a serviço das decisões do Estado e da sociedade, mas não suas”, escreveu no voto. Ela também lembrou que o Código Penal brasileiro, que criminaliza a interrupção da gravidez, é da década de 1940 do século passado, quando as mulheres tinham uma “cidadania de segunda classe”, sem o espaço devido no debate público. “Nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas!”, sustentou Rosa Weber em seu voto. 

Vale ressaltar que dia 28 de setembro é o Dia Latino e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, dia no qual as mulheres reforçam a luta pelo direito de decidirem sobre seus corpos e se recordam da Lei do Ventre Livre, promulgada no Brasil em 1871 e que passou a considerar livres todos os filhos de escravas nascidos a partir desta data. Significativamente, esta data marca a libertação do ventre das mulheres escravizadas no Brasil.

Questão de saúde pública

A pesquisadora e antropóloga Carla Cristina Garcia (PUC-SP), autora dos livros “Ovelhas nas névoas: as mulheres: um estudo sobre as mulheres e a loucura” e “Breve História do Feminismo”, defende a tese de que o aborto deve ser tratado como política de saúde pública.  Em entrevista à Revista Fórum, a pesquisadora mencionou: “O aborto é uma questão de saúde pública porque o número de mulheres que se submetem a abortos clandestinos e morrem ou ficam com sequelas é imenso no Brasil. Além de um problema de saúde pública, é também um problema legal”, diz Carla Cristina Garcia. 

A pesquisadora, que  há mais de 30 anos estuda sobre feminismo e direitos reprodutivos, critica o fato do aborto ser tratado no Brasil dentro da esfera criminal.   “O aborto não deveria ser crime. Não deveria haver restrições legais para a prática do aborto, ou seja, do meu ponto de vista, mais do que um problema de saúde pública, é um problema de liberdade individual”, afirmou Carla Cristina Garcia.  

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