Agosto Lilás:  ainda é preciso muita luta

Desde 2016, agosto é um mês conhecido pela campanha do Agosto Lilás. Instituída pela Lei Estadual nº 4.969/2016, a campanha tem como objetivo intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre o necessário fim da violência contra a mulher, além de dar visibilidade aos serviços especializados de atendimento à mulher em situação de violência e como as denúncias podem ser feitas.

Após 18 anos da criação da Lei Maria da Penha, as mulheres ainda precisam lutar para que não sejam violentadas e até mesmo assassinadas. Uma das coordenadoras gerais da Assufsm, Natália San Martin, comenta: “a gente está lutando para manter o que a gente conquistou e conquistar mais ainda. A gente percebe no dia a dia que ainda existe muita violência”.

Alessandra Alfaro, também coordenadora geral da Assufsm, complementa: “a nossa sociedade é violenta e não está se sensibilizando e fazendo uma reflexão do que está levando os homens a agirem de forma violenta com as mulheres”.

Dados ainda altos

De acordo com o boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver, publicado em março deste ano, em 2023, a cada 24 horas, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica. Os dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança: BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP.

Segundo levantamento realizado por GZH, de janeiro de 2023 para janeiro de 2024, os casos de feminicídio aumentaram. No ano passado foram registrados 10 casos, já neste ano o registro passou para 12. Em Santa Maria, de acordo com a Delegacia da Mulher, do início de 2024 até agora foram constatadas 3 tentativas de feminicídio. Diferente do ano passado que foram reconhecidas duas tentativas.

Apesar dos dados, as coordenadoras gerais da Assufsm destacam as mulheres que não conseguem realizar as denúncias, ou os casos que nem chegam a ser classificados como feminicídios.

“Quando a gente analisa os dados do mapa do feminicídio no Rio Grande do Sul da Polícia Civil, a gente observa que das vítimas de feminicídio de 2023, 18% possui uma medida protetiva, é um número pequeno quando a gente compara com o total das vítimas de feminicídio, quer dizer que 80% das vítimas não tinham nenhuma medida protetiva. Por que essas vítimas não estão procurando as instituições que deveriam buscar? Essas delegacias estão acolhendo as mulheres de forma adequada? Todos os municípios possuem uma rede de proteção para essas mulheres?”, questiona Alessandra Alfaro.

“Muitas mulheres ficam caladas por muito tempo e quando elas percebem que vão ser mortas aí sim se separam e fazem o boletim de ocorrência, mas a violência, às vezes, ela está desde o início do relacionamento e isso a gente não consegue perceber. O tratamento violento com a mulher de forma psicológica, de forma patrimonial em que ela não tem financeiramente a sua independência. Então ela fica se submetendo a determinadas opressões. E isso vai se agravando e ela não tem voz para mais nada. E, quando algumas mulheres falam, elas são mortas”, comenta Natália.

Patriarcado

As coordenadoras também reforçam sobre o problema dessa violência ser algo estrutural, vim de uma criação e se tornar natural com o decorrer do tempo. Em 2021, a Rede de Observatórios da Segurança analisou 1.823 casos de violência contra a mulher em cinco estados – Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo – desses casos foram constatados que 58% dessas violências foram cometidas por maridos, namorados ou ex-companheiros da vítima.

“A opressão das mulheres pelos homens foi construída, não nasceu. Isso tudo foi criado historicamente de forma violenta. Porque aqui no Brasil, apesar de todos os problemas que a gente tem, temos algumas legislações que protegem a mulher, mas mesmo assim não está sendo suficiente. O machismo é tão forte, o patriarcado é tão forte, que os homens acham que tem o direito de matar”, explica Natália.

“Elas morreram dentro de casa por companheiros ou ex-companheiros, o que demonstra esse sentido de propriedade do corpo da mulher enquanto sua e como pode fazer qualquer coisa com aquele corpo sendo como um objeto? A gente verifica que esses dados disponibilizados pela Polícia Civil não estão chegando na população em geral, o que faz com que não sejam atacados. Os motivos que levam com que ocorra essa violência de gênero e a falta de transparência nesses dados faz com que se continue perpetuando esse tipo de crime”, relata Alessandra.

O que fazer?

As coordenadoras comentam sobre o que deve ser feito. Para além das leis e para que a luta não seja responsabilidade somente das mulheres.

“A arma que nós temos, apesar dessa palavra trazer um pouco da questão de violência, mas sim é uma forma de enfrentamento, é conhecer os dados identificar o perfil das vítimas, identificar o perfil dos agressores e tentar estabelecer redes não só de apoio para as mulheres, mas para que as crianças que vivem em lares violentos tenham um suporte psicológico para que essa violência não venha se reproduzir mais tarde. Porque há uma tendência de lares violentos produzirem pessoas que vão reproduzir a violência seja contra mulher ou contra qualquer outra minoria. E nós, enquanto classe trabalhadora, devemos sim exigir que existam mais políticas públicas que trabalhem com a questão da igualdade de gênero e igualdade de direitos e também igualdade de deveres. Para isso nós precisamos fazer essa reflexão da nossa atual constituição enquanto sociedade patriarcal que ainda estabelece o homem como o padrão de poder”, comenta Alessandra.

“Todos os homens e mulheres têm que fazer esses cursos de formação sobre as leis dos direitos das mulheres, saber a história da mulher, que ela foi historicamente violentada para poder chegar nesse nível do homem achar que pode matar. Por que isso acontece e por que não tem que continuar a acontecer. Acho que o sindicato é uma forma de a gente estar discutindo esse assunto porque algumas camadas são veladas. A forma como o nosso corpo é tratado como um objeto. A transformação tem que ser desde a infância. Os pais têm que ter uma formação e isso tem que estar dentro das escolas, trazer a comunidade. Mas isso também tem que ter um suporte para os professores. Então a gente tem muito ainda para lutar muito para conquistar e manter os nossos direitos”, comenta Natália.

Reportagem de Gabriel Escobar – estagiário da Assufsm

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