Nova resolução da UFSM reconhece notórios saberes de comunidades tradicionais

O Conselho Universitário (Consu) da UFSM aprovou na última sexta-feira (31) a resolução que estabelece o título de notório saber em artes, ofícios, cosmologias tradicionais e cultura popular. Com isso, representantes das culturas afro-brasileira, indígena e quilombola podem receber esse título, equivalente ao de doutor nas áreas de conhecimento ou afins nas quais a UFSM mantenha curso de doutorado. Isso dá aos detentores do título de notório saber a possibilidade de docência em disciplinas, minicursos e simpósios como professores visitantes.

“Da mesma forma que as cotas sociais e raciais, as cotas epistêmicas buscam corrigir distorções e viabilizar a equidade, no caso das epistêmicas do conhecimento plural e diverso, rompendo com a lógica do epistemicídio imposta historicamente às populações negra e indígena”, afirma Fernanda Ferreira, integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFSM e estudante dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo e Técnico em Farmácia.

O processo de reconhecimento dos notórios saberes dentro da UFSM começa com a tese de doutorado de Fernanda. Elaborada dentro do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, a tese intitula-se “A saúde popular comunitária e o Projeto Casa do Caminho: construindo a saúde integral com base em saberes ancestrais e decoloniais em comunidades rurais e de periferias urbanas da região sul do RS”. A tese se transformou em um projeto de extensão, intitulado “Notórios saberes: reconhecimento institucional e valorização dos saberes e fazeres para os(as) mestres(as) de saberes tradicionais”, que visa ao reconhecimento institucional de notórios saberes na UFSM.

O Neabi passou a integrar o grupo de trabalho criado para ampliar o debate iniciado pela tese e apresentar uma minuta de resolução para a Reitoria da UFSM. A minuta passou por apresentações em diferentes cursos, departamentos e instâncias técnicas, acadêmicas e administrativas, até a sua versão final, que foi aprovada no Conselho de Ensino de Pesquisa e Extensão (Cepe) e no Consu.

“Os notórios saberes são um marco da nossa universidade, representa o resgate da cultura negra, indígena e da nossa região que foram deixados de lado. Reconhecer com o título de doutor as pessoas que detêm esses conhecimentos vai ajudar a preservá-los e também a difundi-los”, afirma o reitor Luciano Schuch.

Como vai funcionar o processo de solicitação do título de notório saber

Para receber o título de notório saber, a pessoa deve ter atuação comprovada há pelo menos 15 anos como mestre dos saberes e fazeres populares ou tradicionais. Essa atuação pode ser nas áreas de educação popular, pesquisa não acadêmica, preservação e representação dos conhecimentos tradicionais e como mestres nos ofícios e tradições. A competência na área de atuação e reconhecimento popular, tanto dentro quanto fora de suas comunidades e coletivos, também são requisitos para a titulação.

O processo de inscrição para solicitar o título ocorrerá por meio da publicação de um edital anual pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Além da comprovação do conhecimento e área de atuação, os candidatos devem enviar um dossiê com um memorial que apresente sua biografia e trajetória de atuação. A atuação deve ser comprovada por documentação escrita (como matérias jornalísticas, bibliografias e documentos pessoais), audiovisuais (como fotografias e mídias sonoras) e outros meios digitais de registro.

As solicitações serão analisadas por uma banca examinadora formada por cinco docentes doutores da área de conhecimento dos notórios saberes ou equivalentes. No mínimo, dois docentes serão externos à UFSM. O reconhecimento do título de notório saber em artes, ofícios, cosmologias tradicionais e cultura popular será discutida e aprovada pelo Cepe.

Movimento nacional pela inclusão das diversas formas de conhecimento

A articulação pelo reconhecimento do notório saber é vinculado ao movimento Encontro de Saberes, iniciado em 2010 na Universidade de Brasília (UnB), com a proposta de descolonização do pensamento e práticas no meio acadêmico por meio do reconhecimento e da inclusão dos mestres e mestras dos saberes, fazeres e ofícios que fazem parte da cultura brasileira. Uma das reivindicações do movimento é a implementação de cotas epistêmicas, que buscam abrir espaço na docência para representantes das tradições culturais das comunidades negras e indígenas.

Professor da UnB e um dos articuladores do Encontro dos Saberes, José Jorge de Carvalho participou na UFSM da semana institucional dos notórios saberes, promovida pelo Neabi e Observatório de Direitos Humanos. Entre os primeiros candidatos ao título, estão representantes da cultura negra e indígena que participam de atividades e projetos de extensão vinculados à UFSM e participantes do evento (Des)cobrindo os Notórios Saberes: O Encontro com a Interculturalidade, realizado em março deste ano.

“A promoção desse diálogo fortalece a pluralidade presente no espaço acadêmico e na sociedade como um todo, tornando a universidade mais próxima do seu entorno, mais sensível a outras formas de compreender, explicar e atribuir significados ao mundo”, conclui Fernanda.

Texto: Agência de Notícias UFSM

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