“Quem nunca contou uma mentirinha pra namorada?” – perguntava o presidente brasileiro em mais um de seus sempre simplórios e jocosos comentários. “Se não contasse, a noite não acabaria bem” – arrematou perfilando mais uma faceta da sua costumeira e nada sutil misoginia. Este discurso ganha contornos ainda mais escatológicos por ser parte de uma defesa explícita das ‘fake news’ feita pelo mandatário do Alvorada na cerimônia de entrega de um prêmio para destaques nas áreas de telecomunicações, radiodifusão, serviços postais e comunicação social. Foi a primeira edição de um tal Premio Marechal Rondon de Comunicação criado em maio de 2021 pelo mesmo governo que não dispensa uma oportunidade para parodiar a estética e o discurso do nazifascismo. Sem titubear nem mesmo corar.
O acúmulo de incongruências nas narrativas presidenciais se encaixa comodamente num tempo em que disputas discursivas são utilizadas para justificar atos de censura e perseguição a profissionais e veículos de comunicação. Ou o cerceamento da autonomia pedagógica e da liberdade do conhecimento em diferentes níveis de ensino no Brasil. Vivemos os tempos da pós-verdade e do viés de confirmação.
É com esse constructo discursivo que aproveitam para “passar a boiada”. Seja apostando na intimidação e no medo ou fortalecendo a confusão e a desinformação, é no esmaecimento da nossa capacidade de discernir e distinguir entre fatos, análises e versões que se baseia a degradação de níveis civilizatórios minimamente consensuados pela humanidade.
Recusando o tom aparentemente conspiratório da frase anterior, devemos atentar para o fato de que o bolsonarismo, efetivamente, só tem de novidade o nome herdado de seu patriarca pois os fundamentos e métodos, em termos gerais, não são exclusiva nem originalmente tupiniquins.
Em recente entrevista, o pensador norte-americano Noam Chomsky, cita um exemplo de falseamento das percepções em um tema com contornos históricos e geopolíticos imensos. Questionando o título autoconferido pelos EUA a si próprio de defensores da paz mundial, Chomsky traz à tona a questão das armas nucleares e do Oriente Médio e mostra como a manipulação permanente da opinião pública legitima interesses estratégicos do Pentágono e da Casa Branca.
Mais de 60% da população dos EUA afirma que o Irã possui armas nucleares. Bombardeados por décadas de desinformação acusatória, ignoram o fato de que nunca foi encontrada uma ogiva nuclear iraniana e que o país é, inclusive, signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Com base nisso, Biden mantém a política de embargos, suspeições e até mesmo achaque militar ao Irã e ao Oriente Médio, quase no total. Tudo isso, amplamente aceito e até mesmo defendido pelo eleitorado – tanto democrata quanto republicano.
Por outro lado, mesmo com registros sobre a posse de ogivas nucleares e com a recusa reiterada em assinar o TNP, apenas a metade dos norte-americanos dizem acreditar que Israel possui armas nucleares. Embora a estimativa de quantidade de ogivas israelís seja variada, há informação do oferecimento de bombas nucleares para a Africa do Sul, ainda no período do Apartheid. Considerar estes registros ou indícios, forçaria uma mudança brusca na relação entre os EUA e Israel. Ou com o conjunto da região. Respaldado não só internamente, ainda vai longe o tempo em que Israel deixará de ser um parceiro privilegiado e um enclave militar norte-americano no mundo árabe.
Como ensina o astuto Jair, sem uma “mentirinha” para garantir a noite, a relação entre Tel-Aviv e Washington poderia não acabar bem.
Alcir Martins
Técnico em Assuntos Educacionais na UFSM
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