O Neoliberalismo deixou de ser uma teoria e passou a ser uma ideologia. E, com isso, transcende a um pensamento econômico e passa a ser uma forma como as elites dominantes enxergam o mundo, reduzindo tudo à economia. Política, cultura, e todas as demais áreas passam a ser submetidas a essa visão ideológica, que, basicamente, reduz tudo à economia de livre mercado. Essa visão se expande de tal forma que, em caráter planetário, passa a haver uma permanente tentativa de reformulação da ordem mundial.
A descrição acima poderia resumir a fala do professor do programa de pós-graduação em História da Unisinos, Hernán Ramírez. Ele esteve na UFSM na noite de terça, 2 de agosto, dentro do Ciclo ‘Universidade e Democracia’ promovido pelo grupo nacional Práxis, e que, em Santa Maria, tem o apoio da Sedufsm, Assufsm, Atens, DCE, Sinasefe e APG. O título da abordagem de Ramírez foi “Neoliberalismo: Práxis de uma macro-ideologia. Perspectivas desde o Cone Sul” e ocorreu no Auditório Sérgio Pires.
Conforme o historiador, o pensamento neoliberal foi disseminado a partir de três fontes: – Escola Austríaca, também conhecida como Escola de Viena, que privilegia a ideia de um laissez-faire para a economia, com a organização espontânea do mecanismo de preços. Dentre os nomes em destaque dessa corrente, Ludwig von Misses e Friedrich Hayek.
– Escola de Chicago, cujo nome se deve à Universidade de Chicago (EUA), cuja essência do pensamento é a defesa do “mercado livre”. Pela instituição se destacaram nomes como o vencedor do Nobel de Economia, Milton Friedman. Os disseminadores do pensamento da escola de Chicago são conhecidos como “monetaristas” e, alguns, acabaram apelidados de ‘Chicago Boys’.
– Escola Ordoliberal, também conhecida como Neoliberalismo alemão. Tem um viés heterodoxo, com posições que admitem a intervenção do Estado, com algum grau de planejamento, levando em conta uma economia de mercado com desenvolvimento social. Acabou sendo adotada na Alemanha após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Ramírez destacou em sua explanação, que a propagação do pensamento neoliberal estava em ascensão no final da década de 1930, sendo difundido especialmente pela Europa e Estados Unidos. Contudo, a partir da eclosão da guerra, em 1939, ficou em compasso de espera, sendo retomado após o conflito.
O ideário no Cone Sul
No que se refere à América do Sul, Hernán Ramírez avalia que, num primeiro momento, o ingresso do ideário neoliberal foi difuso. Mas, depois, aos poucos ele foi sendo enraizado, nos mais diferentes países. Na Argentina, por exemplo, um dos nomes citados é Alvaro Alzogaray, que, inicialmente teve sua carreira vinculada ao Exército e, mais tarde, já na política, ocupou postos importantes em áreas econômicas (final dos anos 1950 e meados dos anos 60), tendo ajudado a propagar a visão (neo)liberal. Alzogaray era admirador de importantes economistas de viés neoliberal, tais como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.
O Chile é considerado um “laboratório neoliberal”, que passa a funcionar após o golpe que derrubou Salvador Allende, em 1972, com o governo tendo sido assumido pelo general Augusto Pinochet. Até aquele momento, no país, vigorava o pensamento keynesiano (economista britânico, John Maynard Keynes), que priorizava o estado de bem-estar social. A partir do regime ditatorial, a chave é invertida, com medidas que visavam à redução do tamanho do Estado, cortes de direitos trabalhistas, etc., que se refletem até hoje.
Cabeças neoliberais brasileiras
Em relação ao Brasil, o professor de História explicou que o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), fundado em 1961, é um dos principais difusores das ideias neoliberais. Formado por empresários, economistas, jornalistas, entre outros profissionais liberais, o IPES era visto pelos seus simpatizantes como uma entidade em defesa da democracia. Entretanto, na prática, fazia uma oposição radical contra o governo trabalhista de João Goulart e, segundo contam historiadores (as), o Instituto foi usado como uma espécie de “testa de ferro” para carrear recursos do exterior que ajudaram a financiar atos e movimentos pela derrubada do governo legitimamente eleito.
Dentre os pensadores que atuaram para difundir o ideário neoliberal no Brasil, Ramírez cita Roberto Campos, que, pelo seu discurso privatizante, de abertura ao capital estrangeiro, tendo sido ministro durante a ditadura civil-militar, acabou recebendo o apelido de “Bobby Fields” (Bob, abreviação em inglês de Roberto; e Fields, o mesmo que campos, em inglês). Inicialmente, um liberal de viés moderado, mas que, com o passar dos anos, radicalizou suas posições.
Outro nome considerado importante na defesa do pensamento neoliberal citado por Hernán Ramírez é o do empresário nascido no Rio de Janeiro, mas identificado com o Rio Grande do Sul, Jorge Gerdau Johannpeter. O empresário, presidente do Conselho de Administração da Gerdau, se autodefine como um defensor da eficiência e qualidade da gestão nos setores público e privado. Nas áreas de educação e cultura, foi fundador e presidiu por 10 anos o Conselho de Governança do movimento Todos pela Educação e o Conselho da Fundação Iberê Camargo.
Também lembrado por Ramírez, o empresário Henry Maksoud, falecido em 2014. Dono do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, editor da revista Visão, Maksoud era um fervoroso defensor do liberalismo econômico, crítico da presença do Estado na economia. Com a redemocratização do país, no início dos anos 1980, o empresário chegou a defender a elaboração de uma Constituição que refletisse o pensamento de Friedrich Hayek, que, aliás, veio ao Brasil por duas vezes, a convite de Maksoud.
Neoliberalismo e autoritarismo
Na avaliação do professor Hernán Ramírez, a questão da transformação do Neoliberalismo em uma ideologia que submete todas as demais esferas a sua visão de mundo é o que explica, por exemplo, que sua implantação tenha se dado em países com regimes autoritários, como são os casos das ditaduras latino-americanas vigentes entre as décadas de 1960 e 1980. Na medida em que se contrapõe ao keynesianismo, às experiências socialistas, a sua implementação é vista como imprescindível, mesmo que, para isso, tivesse que ser feita a ferro e fogo.
Não é por acaso que, num governo como o do presidente Jair Bolsonaro, que flerta a todo o instante com o autoritarismo, tenha sido aprovada a Reforma da Previdência e a mais importante empresa estatal, a Petrobras, esteja sendo desmontada. Essas medidas dão continuidade ao processo de liberalização radical da economia, iniciada com Fernando Collor de Mello (1990-92), amplificada por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), tendo sido interrompida apenas no período de 2003 a 2016, nos governos petistas. O pesquisador ressalta que uma das características do Neoliberalismo é a resiliência, ou seja, mesmo quando parece derrotado, é rearticulado e volta à cena, tendo em vista que, ideologicamente, é sustentado por um conjunto de ideias e ferramentas que perpassam as sociedades. Nesse contexto, ele cita que determinas entidades (instituições) são incensadas, hipervalorizadas (lembrou do empreendedorismo e de como se vendeu a ilusão de que todo mundo pode ser empreendedor), enquanto, por exemplo, sindicatos, são achincalhados.
E como extrair, tirar para fora, o Neoliberalismo já introjectado nas pessoas? Essa é a pergunta feita para a qual não há, ainda, uma resposta definitiva. A mesa da qual fez parte o professor Hernán Ramírez teve a coordenação do diretor da Sedufsm, professor Leonardo Botega. Para quem quiser assistir à palestra-debate, o canal “Paideia” no Youtube, do professor Dejalma Cremonese (do departamento de Ciências Sociais) disponibiliza o evento.
Texto e fotos: Fritz R. Nunes/Assessoria de imprensa da Sedufsm