O Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados sobre a Reforma Administrativa, de iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) em parceria com o deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SC), fez ressurgir alguns mitos sobre os serviços públicos brasileiro. Um deles é o velho discurso de que o estado brasileiro gastaria demais com a folha de pagamento, ou seja, com os servidores que fazem os serviços públicos funcionarem.
Vamos aos fatos:
Apenas 12% da força de trabalho no Brasil é composta por servidores públicos. Mesmo sendo um país de dimensões continentais, o Brasil possui uma proporção de servidores públicos em relação à força de trabalho bem menor do que muitos países desenvolvidos, como os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que tem uma média de 23,48%. EUA (13,56%), França (20,28%), Reino Unido (22,63%) e Dinamarca (30,22%) e países vizinhos como Argentina (19,31%) e Chile (13,10%) possuem proporções maiores de servidores Públicos que o Brasil, por exemplo.
É um mito o discurso que temos servidores demais. E também é um mito que o estado gasta demais com o funcionalismo público federal. O Brasil gasta com mão de obra dos serviços públicos cerca de 13% do PIB, menos que a média de 17% dos países da OCDE. Sendo que 70% desses servidores trabalham em áreas essenciais, como educação, saúde e segurança pública. São professores, médicos, enfermeiros e policiais que atuam diretamente na garantia de direitos sociais fundamentais para o combate às desigualdades sociais.
O argumento dos setores da grande mídia e empresariais de que há um gasto excessivo da União com os servidores não se sustenta também quando olhamos para os dados em perspectiva histórica: a despesa com a folha de pagamento dos servidores reduziu se comparado ao crescimento do PIB. O crescimento da economia não tem sido acompanhado por um aumento proporcional do investimento em mão de obra dos serviços públicos.
Na verdade, há 24 anos que o “gasto” com os servidores é inferior ao permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Na gestão fiscal brasileira, o cálculo de limites e restrições financeiras estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é feito em base a receita corrente líquida (RCL).
A RCL é o montante de recursos financeiros que o estado realmente tem disponível para gastar após a dedução de determinadas transferências e contribuições obrigatórias, como no casa da União, transferências constitucionais ou legais aos estados e municípios.
Em 2024, a receita corrente líquida (RCL) foi de R$ 1.430.035 (1 trilhão, 430 bilhões e 35 milhões). Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo poderia investir até 715 bilhões e 18 milhões de reais em mão de obra para execução de garantias sociais, como saúde, educação, segurança e políticas públicas. Porém, o Poder Executivo empenhou somente 25,58% (365 bilhões e 822 milhões de reais) do valor permitido.
Para incentivar a disseminação desse mito de que o estado gastaria demais com os servidores, um dos principais argumentos dos deputados bolsonaristas do GT da Reforma Administrativa é de que é preciso “acabar com os supersalários dos servidores”. Um discurso que dialoga bastante com a dura realidade da maioria dos brasileiros que vivem com o mínimo. Mas o argumento dos supersalários é um espantalho usado para justificar um ataque geral aos serviços essenciais que garantem à população o acesso a direitos básicos e fundamentais no combate à pobreza e desigualdade.
Primeiro, porque o próprio texto base do GT não resolve o que eles dizem que precisa acabar. O texto base diz “Somente poderão ser excetuadas dos limites remuneratórios de que trata o XI do caput as seguintes parcelas, desde que expressamente previstas em lei”. O que prova um total desconhecimento da máquina pública ou má fé. Afinal, grande parte dos supersalários é originado por uma série de “penduricalhos” aprovados exatamente por leis no Congresso Nacional.
Em segundo lugar, porque a esmagadora maioria dos servidores não tem supersalários. De acordo com PNAD Contínua de 2023, somente 0,3% dos servidores efetivos do país recebem acima do teto salarial estabelecido pela Constituição. A limitação desses salários geraria uma economia anual de R$5 bilhões. O que nos leva a questionar se de fato a proposta do GT é acabar com os supersalários ou apenas usar esse argumento para confundir a população e justificar um ataque geral aos serviços públicos.
Afinal, se a preocupação desses deputados fosse mesmo “proteger a economia brasileira” e a “saúde financeira do estado brasileiro”, não seriam contra uma medida muito mais eficiente como a taxação das grandes fortunas. Para se ter uma ideia, se o estado brasileiro taxasse em apenas 2% a riqueza dos 0,1% mais ricos do Brasil, geraria R$ 41,9 bilhões por ano aos cofres públicos.
Fica evidente que a reforma administrativa que se discute no Congresso Nacional não é baseada nas reais necessidades dos serviços públicos brasileiro e, portanto, da população. Os serviços públicos do nosso país precisam de mais investimentos, inclusive garantindo melhores salários aos servidores e servidoras que trabalham todos os dias para garantir um atendimento de qualidade à população. Não existe SUS sem servidores! Não existe universidade pública sem servidores! O argumento falacioso de que o estado brasileiro gasta muito com os servidores serve apenas para dividir a sociedade, enfraquecer os serviços públicos e abrir caminho para as empresas privadas expandirem seus negócios.
Fonte: Fonasefe