Nesta terça-feira (29), primeiro dia da paralisação de 48h da categoria TAE na UFSM, a Assufsm promoveu um Seminário online “Reforma Administrativa e Regime Jurídico Único: entenda os impactos”, com participação de Paulo Lindesay. O Seminário foi transmitido pelo canal do Youtube da Assufsm (confira na íntegra aqui).
A abertura da transmissão foi conduzida pelo coordenador geral da Assufsm, Ciro Oliveira, que mediou o Seminário, deu as boas-vindas ao convidado e introduziu o tema central do debate: a PEC 32, atualmente em tramitação no Congresso Nacional.
Paulo Lindesay, trabalhador do IBGE, diretor da Executiva Nacional da ASSIBGE-SN, coordenador do Núcleo Sindical Canabarro e da Auditoria Cidadã da Dívida no RJ — além de professor tutor da mesma entidade — é um dos principais especialistas na luta contra o desmonte do serviço público brasileiro. Em suas falas, Paulo tem denunciado de forma contundente o sucateamento de instituições públicas estratégicas, como o próprio IBGE, que vêm sendo impactadas por sucessivas medidas de austeridade e reformas estruturais com raízes profundas.
Um dos principais elementos que sustentam esse processo é a lógica da dívida pública, alicerce tanto da Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos) quanto do novo Arcabouço Fiscal. Ambas as políticas têm como pilar central o compromisso com o pagamento da dívida pública em detrimento de investimentos sociais e estruturais. Em 2023, dos R$ 4,36 trilhões executados no Orçamento Federal, 43,23% foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida — recursos que deixaram de ser investidos em saúde, educação, infraestrutura e valorização do funcionalismo.
O processo de desmonte, no entanto, não é recente. Paulo Lindesay aponta a Emenda Constitucional nº 19/1998, aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), como marco da chamada Reforma Administrativa. Idealizada por Bresser Pereira e operacionalizada pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), a proposta consolidou o modelo de Estado Mínimo no Brasil, introduzindo mecanismos de controle e gestão que priorizavam a eficiência sob uma ótica empresarial, desprezando o caráter público e social dos serviços estatais.
A EC 19/1998 alterou profundamente o regime da Administração Pública, afetando diretamente servidores(as), agentes políticos e a gestão de recursos públicos. Foi a partir dela que se abriram caminhos para práticas como a terceirização, as contratações temporárias, o uso crescente de organizações sociais (OS), consultorias privadas e, mais recentemente, a proliferação de fundações de direito público e privado, que têm assumido funções típicas de servidores(as) concursados(as).
Para Paulo, essa lógica não visa fortalecer o serviço público, mas sim privatizá-lo de forma velada, transformando direitos sociais em mercadorias e transferindo a gestão pública para interesses privados. Ele chama atenção para o fato de que a atual Reforma Administrativa — embora ainda em tramitação — já encontra base legal em dispositivos da própria EC 19, inclusive no que diz respeito à possibilidade de flexibilizar ou extinguir a estabilidade do(a) servidor(a) público(a).
Outro aspecto central dessa crítica é a substituição de concursos públicos por contratos temporários, intensificada nos últimos anos – a exemplo da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) que hoje está na gestão da maioria dos Hospitais Universitários Brasil afora.
Segundo Lindesay, a própria ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, estimou que nos próximos dez anos o Brasil poderá perder 180 mil servidores(as), sem previsão de reposição de nem um terço dessas vagas. Soma-se a isso o uso crescente de plataformas digitais e inteligência artificial, que contribuem para a redução da força de trabalho humana no setor público.
Paulo também chama atenção para o Decreto nº 10.185/2019, que extinguiu uma série de cargos no serviço público, alertando que os(as) servidores(as) afetados por esse decreto podem estar entre os(as) primeiros(as) a sofrer demissões, caso avance a proposta de Reforma Administrativa em curso.
Em síntese, a fala de Paulo Lindesay revela um panorama preocupante: um projeto de Estado cada vez mais enfraquecido, submetido à lógica financeira da dívida, e que transfere suas responsabilidades sociais para o mercado, à custa dos direitos dos(as) servidores(as) e da população. Trata-se de um alerta urgente para a sociedade brasileira: defender o serviço público é defender o futuro do país. Em sua fala: “Se nós não preocuparmos com o desmonte do Estado, não teremos o que deixar para os que vierem depois.”
Após a explanação de Lindesay, o espaço foi aberto para colocações e dúvidas da categoria. Ao longo da conversa, o coordenador Ciro Oliveira leu as colocações e também comentou sobre as atividades de mobilização da Assufsm, destacando a participação no Ato Unitário em Porto Alegre, amanhã, quarta-feira (30).
A coordenadora geral da Fasubra Loiva Chansis também fez suas colocações e saudou a presença e palavras de Lindesay. Loiva esteve na apresentação não oficial do relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa em Brasília, e acredita que a Reforma já está em curso, de forma fragmentada. Segundo ela, o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) compartilha de um dos eixos da Reforma – a avaliação de desempenho – trazendo a meritocracia para o centro da vida laboral e abrindo portas para sobrecarga, doenças ocupacionais e assédio moral.
Lindesay também falou de outro ponto sensível da Reforma Administrativa, os chamados “supersalários”. Embora exista a percepção de que servidores(as) públicos(as) são “marajás”, essa generalização não corresponde à realidade da maioria. Casos de remunerações acima do teto constitucional existem, mas representam um grupo bastante seleto e reduzido dentro de um funcionalismo público majoritariamente composto por profissionais que recebem salários compatíveis com suas funções e responsabilidades. A maior parte, de acordo com Lindesay – cerca de 70% do funcionalismo – recebe entre R$ 3.500 e R$ 15 mil e, apenas 0,23% dos servidores(as) recebem R$ 44mil, que é o teto do Supremo Tribunal Federal.
O seminário encerrou com o chamado para a luta e mobilização da categoria. Segundo Lindesay, é fundamental construir resistência e mobilizar toda a categoria com urgência, reunindo uma massa significativa nas ruas para pressionar o governo e o Congresso Nacional para impedir que qualquer votação aconteça ainda este ano, ganhando tempo para ampliar o debate público e fortalecer nossa articulação.